Seminário
IV A arte de viver consciente
Elizabete
Richard
Seminário
V O feminino e a cura
Eliezer
Berenstein
Não te prendas a nada que com o tempo venha a te destruir. George Ivanovitch Gurdjieff (1866-1949)
Para os indígenas andinos, o deus
Wiracocha, “hacedor del mundo” (INCHAUSTE, 1999 p.23), foi o criador das
montanhas, do mar, do céu, da lua, do sol, da terra e dos primeiros homens.
Esculpiu-os em pedra de tamanho descomunal e os pintou; mas eles eram maiores
que o deus e isso não era bom. Então, os desfez e os esculpiu do seu tamanho.
Foi assim que os fez a sua imagem e semelhança. Mas entre eles se disseminou o
vicio, a soberba e a cobiça, o que provocou a fúria de Wiracocha e ele zangou-se,
castigando-os. Alguns foram convertidos em pedra; outros, a terra engoliu e, finalmente,
o “hacedor del mundo” mandou um dilúvio à Terra. Todos os homens se afogaram e se
destruiu tudo o que fora criado. Passado um tempo, Wiracocha retornou e determinou
povoar a Terra pela segunda vez e aperfeiçoar a sua criação. Criou novos homens
feitos do pó da terra. “A cada uno le dio un espíritu y
le pintó el vestido que debía usar.” (INCHAUSTE, 1999 p.27). Reuniu-os em nações
e lhes deu a língua com a qual deviam falar, os cantos que deviam entoar; além
da comida, as sementes para cultivar e alimentar-se. Observamos que, no mito
indígena, houve três tentativas para aperfeiçoar o ser humano. A primeira foi
destruída porque os homens eram maiores do que o deus Wiracocha; a segunda,
eles foram vulneráveis aos vícios e punidos com o desaparecimento. Após algum
tempo, foram criados pela terceira vez; dessa vez, tinham um espírito e, ao
longo da sua existência, compuseram-se de deficiências e antideficiências.
A logosofia caracteriza o ser humano por deter
deficiências e antideficiências, que coexistem. Alguns exemplos de pensamento-deficiência
são: a soberba, a rigidez, a indiferença, a teimosia e outros. Como exemplo de
correspondência pensamento-antideficiência, cita a humildade, a flexibilidade,
o interesse, a docilidade etc. Para Pecotche (1976), as deficiências são o
pensamento negativo que, enquistado na mente, exerce forte pressão sobre a
vontade do indivíduo, sendo denominado de pensamento-deficiência. Esta é a
causa “determinante da incapacidade e impotência dos esforços humanos à procura
do despertar consciente nas altas esferas do espírito” (PECOTCHE, 1976 p.11). Por
outro lado, o pensamento que se opõe à deficiência é a antideficiência. É uma
espécie de “pensamento-polícia que deve ser instituído na mente com o objetivo
de vigiar, repreender e paralisar, temporariamente ou definitivamente, o
pensamento-deficiência”. (PECOTCHE, 1976 p.21)
Mercê de seu influxo, a vontade se
fortifica e opera sobre a inteligência, instando-a a movimentos mentais
tendentes a anular o despotismo que o pensamento-deficiência exerce sobre os
mecanismos mental, sensível e espiritual do homem. (PECOTCHE, 1976 p.20)
Após expressar como opera o
pensamento-antideficiência frente ao pensamento-deficiência, o autor explica
que ativar o pensamento-polícia depende unicamente do individuo. Para isso, conta
sobre um fazendeiro de outras épocas, cujas terras foram invadidas por feras,
as quais, após assolarem seus campos, ávidas de sangue, se lançam contra sua
vivenda com o objetivo de devorá-lo. Suponham que alguém tivesse feito chegar
ao fazendeiro armas de fogo para a defesa de sua vida, armas que jamais tinha
visto e cujo uso, em conseqüência, desconhece. O que fará o fazendeiro para
defender-se das feras com as armas de fogo se não sabe empregá-las? As armas
simbolizam os conhecimentos internos que residem no âmago do ser humano e, uma
vez acessado por ele mesmo, estará preparado para exterminar as feras e “livrar
a propriedade mental de todo ente maligno.” (PECOTCHE, 1976 p.23)
Porém o ser humano não saberá defender-se
se ignorar que é portador de pensamento-deficiência “[...] seu possuidor, em
geral, permanece alheio a isso”. (PECOTCHE, 1976 p.19) Não consentir os
pensamentos-deficiência impede o desenvolvimento das possibilidades mentais e
espirituais de todo ser humano com vistas ao aperfeiçoamento humano. O processo
de evolução humana se dá mediante o conhecimento do pensamento deficiente e da
predisposição em neutralizá-lo, caso contrario “[...] as deficiências serão
sempre deficiências enquanto o homem nada fizer por extirpá-las.” (PECOTCHE,
1976 p.24) Por outro lado, “é preferível conhecer que inimigos temos dentro,
para combatê-los com lucidez mental, a ignorá-los, [...]”, (PECOTCHE, 1976
p.15). Para combater com lucidez mental, deve-se perceber o próprio mundo
interno e fincar-se no singular e integral labor interno do auto-conhecimento
que assinala uma ação irrenunciável do processo de evolução consciente “[...] e
já se sabe com quanto viço, frescor e força revive a árvore depois que lhe
podamos os galhos inúteis, livrando-a das pragas que a estiolam”. (PECOTCHE,
1976 p.15).
Durante o seminário IV A arte de viver
consciente, praticamos na meditação Quem é você a poda daqueles galhos inúteis,
porém não foi suficiente porque no seminário V sobre o feminino e a cura,
afloraram pensamentos-deficiência por parte dos aprendizes, como do
facilitador, contexto que serviu para perceber a dificuldade do ser humano em
enfrentar ações, atitudes, sentimentos, emoções e experiências que não convergem
com as suas. Revelou-se a inaptidão que há em acolher a pluralidade existente,
ou seja, ouvir, ver, sentir e viver o que é díspar ao entorno, a incapacidade
de congraçar o outro, a inabilidade em impregnar-se do outro. Diante das
reações dos participantes e do facilitador durante o seminário, constatamos o
entorpecimento que a matriz newtoniano-cartesiana exerce nos humanos. Essa
constatação ressoou no movimento de decomposição e composição, quer dizer, detectar
dentro de si a indumentária dos pensamentos-deficiência e então desvestir-se
deles para lograr um novo estado de consciência. “Viver consciente implica em
conhecer o mapa da evolução do ser humano.” (WEIL, 2004 p.55). Quiçá o “hacedor
del mundo” esteja sussurrando a chegada da quarta tentativa, ou seja, da era
impregnada de uma nova consciência, e que para fazer parte dela é
imprescindível livrar-se das feras.
Referências
CAMARGO,
Lucila. Diálogos evolutivos: uma
proposta de novo olhar sobre velhos paradigmas. 2011. Unipaz- SP.
INCHAUSTE,
Isabel Mesa de. El espejo de los sueños. La
paz, Bolivia: Alfaguara Juvenil, 1999.
PECOTCHE,
Carlos Bernardo Gonzáles. Deficiências e
propensões do ser humano. 2. ed. São Paulo: Logosófica, 1976.
TAUNAY,
Daniel. Ciência e espiritualidade.
2011. Unipaz- SP.
TAVARES,
Clotilde. Iniciação a visão holística.
5. ed. Rio de Janeiro: Nova Era, 2000.
WEIL,
Pierre. A arte de viver a vida. 2. ed.
Brasília: Letrativa editorial, 2004.
Trabalho transdisciplinar Marcia Eliane
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