sábado, 7 de abril de 2012

Quarta tentativa


Seminário IV  A arte de viver consciente
Elizabete Richard

Seminário V  O feminino e a cura
Eliezer Berenstein






Não te prendas a nada que com o tempo venha a te destruir. George Ivanovitch Gurdjieff (1866-1949)

Para os indígenas andinos, o deus Wiracocha, “hacedor del mundo” (INCHAUSTE, 1999 p.23), foi o criador das montanhas, do mar, do céu, da lua, do sol, da terra e dos primeiros homens. Esculpiu-os em pedra de tamanho descomunal e os pintou; mas eles eram maiores que o deus e isso não era bom. Então, os desfez e os esculpiu do seu tamanho. Foi assim que os fez a sua imagem e semelhança. Mas entre eles se disseminou o vicio, a soberba e a cobiça, o que provocou a fúria de Wiracocha e ele zangou-se, castigando-os. Alguns foram convertidos em pedra; outros, a terra engoliu e, finalmente, o “hacedor del mundo” mandou um dilúvio à Terra. Todos os homens se afogaram e se destruiu tudo o que fora criado. Passado um tempo, Wiracocha retornou e determinou povoar a Terra pela segunda vez e aperfeiçoar a sua criação. Criou novos homens feitos do pó da terra. “A cada uno le dio un espíritu y le pintó el vestido que debía usar.” (INCHAUSTE, 1999 p.27). Reuniu-os em nações e lhes deu a língua com a qual deviam falar, os cantos que deviam entoar; além da comida, as sementes para cultivar e alimentar-se. Observamos que, no mito indígena, houve três tentativas para aperfeiçoar o ser humano. A primeira foi destruída porque os homens eram maiores do que o deus Wiracocha; a segunda, eles foram vulneráveis aos vícios e punidos com o desaparecimento. Após algum tempo, foram criados pela terceira vez; dessa vez, tinham um espírito e, ao longo da sua existência, compuseram-se de deficiências e antideficiências.
A logosofia caracteriza o ser humano por deter deficiências e antideficiências, que coexistem. Alguns exemplos de pensamento-deficiência são: a soberba, a rigidez, a indiferença, a teimosia e outros. Como exemplo de correspondência pensamento-antideficiência, cita a humildade, a flexibilidade, o interesse, a docilidade etc. Para Pecotche (1976), as deficiências são o pensamento negativo que, enquistado na mente, exerce forte pressão sobre a vontade do indivíduo, sendo denominado de pensamento-deficiência. Esta é a causa “determinante da incapacidade e impotência dos esforços humanos à procura do despertar consciente nas altas esferas do espírito” (PECOTCHE, 1976 p.11). Por outro lado, o pensamento que se opõe à deficiência é a antideficiência. É uma espécie de “pensamento-polícia que deve ser instituído na mente com o objetivo de vigiar, repreender e paralisar, temporariamente ou definitivamente, o pensamento-deficiência”. (PECOTCHE, 1976 p.21)

Mercê de seu influxo, a vontade se fortifica e opera sobre a inteligência, instando-a a movimentos mentais tendentes a anular o despotismo que o pensamento-deficiência exerce sobre os mecanismos mental, sensível e espiritual do homem. (PECOTCHE, 1976 p.20)

Após expressar como opera o pensamento-antideficiência frente ao pensamento-deficiência, o autor explica que ativar o pensamento-polícia depende unicamente do individuo. Para isso, conta sobre um fazendeiro de outras épocas, cujas terras foram invadidas por feras, as quais, após assolarem seus campos, ávidas de sangue, se lançam contra sua vivenda com o objetivo de devorá-lo. Suponham que alguém tivesse feito chegar ao fazendeiro armas de fogo para a defesa de sua vida, armas que jamais tinha visto e cujo uso, em conseqüência, desconhece. O que fará o fazendeiro para defender-se das feras com as armas de fogo se não sabe empregá-las? As armas simbolizam os conhecimentos internos que residem no âmago do ser humano e, uma vez acessado por ele mesmo, estará preparado para exterminar as feras e “livrar a propriedade mental de todo ente maligno.” (PECOTCHE, 1976 p.23)
Porém o ser humano não saberá defender-se se ignorar que é portador de pensamento-deficiência “[...] seu possuidor, em geral, permanece alheio a isso”. (PECOTCHE, 1976 p.19) Não consentir os pensamentos-deficiência impede o desenvolvimento das possibilidades mentais e espirituais de todo ser humano com vistas ao aperfeiçoamento humano. O processo de evolução humana se dá mediante o conhecimento do pensamento deficiente e da predisposição em neutralizá-lo, caso contrario “[...] as deficiências serão sempre deficiências enquanto o homem nada fizer por extirpá-las.” (PECOTCHE, 1976 p.24) Por outro lado, “é preferível conhecer que inimigos temos dentro, para combatê-los com lucidez mental, a ignorá-los, [...]”, (PECOTCHE, 1976 p.15). Para combater com lucidez mental, deve-se perceber o próprio mundo interno e fincar-se no singular e integral labor interno do auto-conhecimento que assinala uma ação irrenunciável do processo de evolução consciente “[...] e já se sabe com quanto viço, frescor e força revive a árvore depois que lhe podamos os galhos inúteis, livrando-a das pragas que a estiolam”. (PECOTCHE, 1976 p.15).
Durante o seminário IV A arte de viver consciente, praticamos na meditação Quem é você a poda daqueles galhos inúteis, porém não foi suficiente porque no seminário V sobre o feminino e a cura, afloraram pensamentos-deficiência por parte dos aprendizes, como do facilitador, contexto que serviu para perceber a dificuldade do ser humano em enfrentar ações, atitudes, sentimentos, emoções e experiências que não convergem com as suas. Revelou-se a inaptidão que há em acolher a pluralidade existente, ou seja, ouvir, ver, sentir e viver o que é díspar ao entorno, a incapacidade de congraçar o outro, a inabilidade em impregnar-se do outro. Diante das reações dos participantes e do facilitador durante o seminário, constatamos o entorpecimento que a matriz newtoniano-cartesiana exerce nos humanos. Essa constatação ressoou no movimento de decomposição e composição, quer dizer, detectar dentro de si a indumentária dos pensamentos-deficiência e então desvestir-se deles para lograr um novo estado de consciência. “Viver consciente implica em conhecer o mapa da evolução do ser humano.” (WEIL, 2004 p.55). Quiçá o “hacedor del mundo” esteja sussurrando a chegada da quarta tentativa, ou seja, da era impregnada de uma nova consciência, e que para fazer parte dela é imprescindível livrar-se das feras.


Referências
CAMARGO, Lucila. Diálogos evolutivos: uma proposta de novo olhar sobre velhos paradigmas. 2011. Unipaz- SP.
INCHAUSTE, Isabel Mesa de. El espejo de los sueños. La paz, Bolivia: Alfaguara Juvenil, 1999.
PECOTCHE, Carlos Bernardo Gonzáles. Deficiências e propensões do ser humano. 2. ed. São Paulo: Logosófica, 1976.
TAUNAY, Daniel. Ciência e espiritualidade. 2011. Unipaz- SP.
TAVARES, Clotilde. Iniciação a visão holística. 5. ed. Rio de Janeiro: Nova Era, 2000.
WEIL, Pierre. A arte de viver a vida. 2. ed. Brasília: Letrativa editorial, 2004.


Trabalho transdisciplinar Marcia Eliane

Nenhum comentário: