sábado, 7 de abril de 2012

“Avá”


Seminário V O feminino e a cura
Eliezer Berenstein

Seminário VI Tradição ancestral brasileira
Kaká Werá Jecupé


“Avá”


Tudo está relacionado entre si. O que fere a terra fere também os filhos da terra. Não foi o homem que teceu a trama da vida: ele é meramente um fio da mesma. Tudo que ele fizer à trama, a si próprio fará. Pele Vermelha Seattle (1856)

Nos seminários O feminino e a cura e Tradição ancestral brasileira, os facilitadores Eliezer, de origem judia, e Kaká, de origem indígena, possuem algo em comum: eles são curadores. O primeiro esboçou o funcionamento da medicina dentro da matriz newtoniano-cartesiano, e Kaká, por sua vez, evidenciou a prática da cura dentro de concepções holísticas.
Eliezer explicou a atividade da medicina na matriz, a partir dos temas da formação acadêmica do aluno de medicina, “[...] jovens graduados aprenderam muito mais a respeito do mecanismo da doença, [...] eles são excessivamente “científicos” e não sabem cuidar dos pacientes.” (LESHAN, 1994 p.121), da relação entre médico e paciente, “[...] uma relação de poder, autoritária, onde se exige a submissão do doente [...]” (TAVARES, 2000 p.89) e do processo saúde-doença “[...] doença como uma “coisa” e não como parte de um processo vital global.” (LESHAN, 1994 p.118) Para Biase (2010), o contexto descrito atende as características do paradigma newtoniano-cartesiano,

analisa as doenças através de uma óptica essencialmente dualista, mecanicista e reducionista, separando mente e corpo, e encarando o homem como uma máquina que só pode ser compreendida desvendando-se os processos bioquímico-moleculares.(BIASE, 2010 p.77)

É fato que a visão da medicina atual diante dos seres humanos “é a mesma dos mecânicos com relação às máquinas.” (LESHAN, 1994 p.127). Acrescenta Tavares (2000) que a prática médica ocidental concebe o corpo humano como um mecanismo que funciona como uma máquina; compreende a doença como avaria e a saúde como o funcionamento perfeito dessa máquina, que compete ao médico consertá-la. Diante disso, deprende-se que nenhum “[...] sistema do corpo [...] está livre da ameaça de não poder funcionar bem sozinho ou recuperar-se sem ajuda caso venha a sofrer um distúrbio”. (LESHAN, 1994 p.115) Esquecera-se por completo de que o ser humano possui “[...] dentro de si processos restauradores de cura inerentemente naturais [...]”. (LESHAN, 1994 p.140) Ressalta que a “[...] abordagem cartesiana e mecanicista de nossa medicina científica falha, ao não incluir o homem em uma concepção mais abrangente, sistemática e ecológica, capaz de integrá-lo ao meio biopsicossocial” (BIASE, 2010 p.77). Na matriz perdeu-se “de vista a totalidade do ser humano e o funcionamento do organismo como um sistema vivo cujos componentes são interligados e interdependentes” (TAVARES, 2000 p.86) e, por sua vez, fazem parte de organismos maiores que o afetam, mas que podem ser também, modificados por eles. Considerar o homem numa concepção mais abrangente, para Tavares (2000), modifica as questões relacionadas ao processo saúde-doença. Assim como também “das relações sociais e econômicas que se dão no contexto da sociedade”. (TAVARES, 2000 p.89). A cura “não é possível sem uma expansão da consciência”. (DETHLEFSEN; DAHLKE, 2007 p.19)
Leshan (1994) aponta três princípios básicos da medicina holística: a totalidade, (quer dizer o ser humano é parte integrante do universo e inseparável); a unidade da pessoa, (ou seja, o sujeito compreendido a partir de todos os níveis físico, mental, emocional e espiritual), e a qualidade única de cada pessoa, (isto é, há um caminho diferente e único para cada individuo). Acrescenta que nenhum desses princípios pode ser validamente reduzido à nenhum outro. Para Tavares (2000), o indivíduo traz dentro de si esses preceitos e, segundo Leshan (1994), eles estimularão a capacidade do sanar no ser humano. O estado de saúde dentro da visão holística “pode ser definido como um estado de harmonia entre o corpo, a mente e o ambiente.” (TAVARES, 2000 p.89)
Adepto da saúde holística, Kaká Werá acrescenta “[...] nós somos multidimensionais e, que embora cada um de nós seja uma unidade, temos várias inteligências interagindo conosco [...].” (WERÁ s/d) Ele demonstrou que o ser humano possui instrumentos de cura interna. O sanar está na conexão entre o homem e a natureza, e nessa relação consta a sabedoria dos antepassados. Na mitologia Tupy, o ser humano é concebido como um som que se pôs de pé. Trata-se de identificar o ser humano, não pelo aspecto físico, mas pela sua essência vibratória, que se manifesta como consciência, de onde são emanadas as palavras e os intentos que se expressam através do sentimento e das suas respectivas ações. Então o ser humano é detentor de uma dimensão ecológica e espiritual que suporta o aspecto físico e psíquico; porém ele “[...] esqueceu que, entre nós e a natureza, existe uma intimidade tão profunda e antiga, que se une com a origem da vida.” (WERÁ s/d).
Na tradição Tupy, o ser humano é oriundo da mãe terra; explica que os quatro seres alados da natureza: Karai, Yacy, Tupancy, Jakairá, que são como deuses, teceram o primeiro ser humano e o espírito da terra, pois os seres alados são originários do espírito da Mãe Terra. Na ancestralidade Inca a cura acontecia quando se pedia ao corpo enfermo que se harmonizasse com a Pachamama, ou seja, com a mãe terra. Era nela que se encontrava a cura. Para Werá (s/d) a Mãe Terra é venerada nas culturas de matriz ancestral, pois ela traz a luz à forma através do espírito do fogo, o espírito da água, o espírito da terra e o espírito do ar que são regidos pelo coração da terra. “[...] a Terra é a manifestação física do divino, a manifestação física de Deus, e é a face feminina de Deus. [...], Deus se realiza através dela.” (WERÁ s/d). Unir-se à natureza de maneira celebrativa e ou ritualística, invocando ancestrais divinos promove a harmonização, quer dizer, a cura do ser humano em todas as suas dimensões física, mental, emocional e espiritual.
Os pássaros, [...], conseguem livrar-se com bastante êxito dos insetos parasitas, cobrindo-se de poeira.” (LESHAN 1994, p.119) É sabido que esse procedimento atua, obstruindo os poros respiratórios dos insetos, fazendo com estes abandonem o corpo das aves. As ferramentas para sarar acionada pelos pássaros também habita no ser humano. Verificamos que a cura, como um instrumento de sabedoria interna e inerente ao ser humano foi exilada do modelo newtoniano-cartesiano. Porém, dentro das concepções da medicina holística o sanar consta na manifestação do “avá”, que significa, em Tupy, ser humano integrado.


Referências

BIASI, Francisco di. O homem holístico: a unidade mente-natureza. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.
BOFF, Leonardo. O despertar da águia: o dia-bólico e o sim-bólico na construção da realidade. 20. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
DETHLEFSEN Thorwald; DAHLKE Rudiger. A doença como caminho: uma nova visão da cura como ponto de mutação em que um mal se deixa transformar em bem. Tradução Zilda Hutchinson Schild. 14. ed. São Paulo: Cultrix, 2007.
KIPERNSAIN Paloma. Agosto: Mes de la Pachamama Disponível em: < http://blogs.educared.org/pescandoideas/2007/08/18/agosto-mes-de-la-pachamama/ > Acesso em: 29 de ago. de 2011.
LESHAN, Lawrence. Meditação e conquista da saúde. São Paulo, Editora Pensamento, 1994.
RAUNÍCEAU, Jocelyne. Nuestros ancestros y las diferentes inteligencias del cuerpo humano. Disponível em: < http://www.slideshare.net/carlitos rangel/presentations > < http://hooponopoenvenezuela.wordspress. > Acesso em: 31 de ago. de 2011.
TAVARES, Clotilde. Iniciação a visão holística. 5. ed. Rio de Janeiro: Nova Era, 2000.
WASHINGTON, Araújo. Estamos desparecendo da terra. A visão Bahá í sobre o destino glorioso dos povos indígenas da América – 1492/1992. 1 ed. Campinas, SP Editora Bahá í do Brasil, 1991.
WERÁ, Kaká. A árvore da ancestralidade. Ecomedicina Tupy. s/d.


Trabalho Transdisciplinar  Marcia Eliane


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