Seminário
V O feminino e a cura
Eliezer
Berenstein
Seminário
VI Tradição ancestral brasileira
Kaká
Werá Jecupé
“Avá”
Tudo está relacionado
entre si. O que fere a terra fere também os filhos da terra. Não foi o homem
que teceu a trama da vida: ele é meramente um fio da mesma. Tudo que ele fizer
à trama, a si próprio fará. Pele Vermelha Seattle (1856)
Nos seminários O feminino e a cura e
Tradição ancestral brasileira, os facilitadores Eliezer, de origem judia, e
Kaká, de origem indígena, possuem algo em comum: eles são curadores. O primeiro
esboçou o funcionamento da medicina dentro da matriz newtoniano-cartesiano, e Kaká,
por sua vez, evidenciou a prática da cura dentro de concepções holísticas.
Eliezer explicou a atividade da medicina na
matriz, a partir dos temas da formação acadêmica do aluno de medicina, “[...]
jovens graduados aprenderam muito mais a respeito do mecanismo da doença, [...]
eles são excessivamente “científicos” e não sabem cuidar dos pacientes.”
(LESHAN, 1994 p.121), da relação entre médico e paciente, “[...] uma relação de
poder, autoritária, onde se exige a submissão do doente [...]” (TAVARES, 2000
p.89) e do processo saúde-doença “[...] doença como uma “coisa” e não como
parte de um processo vital global.” (LESHAN, 1994 p.118) Para Biase (2010), o
contexto descrito atende as características do paradigma newtoniano-cartesiano,
analisa as doenças através de uma
óptica essencialmente dualista, mecanicista e reducionista, separando mente e
corpo, e encarando o homem como uma máquina que só pode ser compreendida
desvendando-se os processos bioquímico-moleculares.(BIASE, 2010 p.77)
É fato que a visão da medicina atual diante
dos seres humanos “é a mesma dos mecânicos com relação às máquinas.” (LESHAN,
1994 p.127). Acrescenta Tavares (2000) que a prática médica ocidental concebe o
corpo humano como um mecanismo que funciona como uma máquina; compreende a
doença como avaria e a saúde como o funcionamento perfeito dessa máquina, que compete
ao médico consertá-la. Diante disso, deprende-se que nenhum “[...] sistema do
corpo [...] está livre da ameaça de não poder funcionar bem sozinho ou
recuperar-se sem ajuda caso venha a sofrer um distúrbio”. (LESHAN, 1994 p.115) Esquecera-se
por completo de que o ser humano possui “[...] dentro de si processos
restauradores de cura inerentemente naturais [...]”. (LESHAN, 1994 p.140) Ressalta
que a “[...] abordagem cartesiana e mecanicista de nossa medicina científica
falha, ao não incluir o homem em uma concepção mais abrangente, sistemática e
ecológica, capaz de integrá-lo ao meio biopsicossocial” (BIASE, 2010 p.77). Na
matriz perdeu-se “de vista a totalidade do ser humano e o funcionamento do
organismo como um sistema vivo cujos componentes são interligados e
interdependentes” (TAVARES, 2000 p.86) e, por sua vez, fazem parte de
organismos maiores que o afetam, mas que podem ser também, modificados por
eles. Considerar o homem numa concepção mais abrangente, para Tavares (2000),
modifica as questões relacionadas ao processo saúde-doença. Assim como também “das
relações sociais e econômicas que se dão no contexto da sociedade”. (TAVARES,
2000 p.89). A cura “não é possível sem uma expansão da consciência”.
(DETHLEFSEN; DAHLKE, 2007 p.19)
Leshan (1994) aponta três princípios
básicos da medicina holística: a totalidade, (quer dizer o ser humano é parte integrante
do universo e inseparável); a unidade da pessoa, (ou seja, o sujeito compreendido
a partir de todos os níveis físico, mental, emocional e espiritual), e a qualidade
única de cada pessoa, (isto é, há um caminho diferente e único para cada
individuo). Acrescenta que nenhum desses princípios pode ser validamente
reduzido à nenhum outro. Para Tavares (2000), o indivíduo traz dentro de si esses
preceitos e, segundo Leshan (1994), eles estimularão a capacidade do sanar no
ser humano. O estado de saúde dentro da visão holística “pode ser definido como
um estado de harmonia entre o corpo, a mente e o ambiente.” (TAVARES, 2000
p.89)
Adepto da saúde holística, Kaká Werá acrescenta
“[...] nós somos multidimensionais e, que embora cada um de nós seja uma
unidade, temos várias inteligências interagindo conosco [...].” (WERÁ s/d) Ele
demonstrou que o ser humano possui instrumentos de cura interna. O sanar está na conexão entre o homem e a natureza, e
nessa relação consta a sabedoria dos antepassados. Na mitologia Tupy, o ser
humano é concebido como um som que se pôs de pé. Trata-se de identificar o ser
humano, não pelo aspecto físico, mas pela sua essência vibratória, que se
manifesta como consciência, de onde são emanadas as palavras e os intentos que
se expressam através do sentimento e das suas respectivas ações. Então o ser
humano é detentor de uma dimensão ecológica e espiritual que suporta o aspecto
físico e psíquico; porém ele “[...] esqueceu que, entre nós e a natureza,
existe uma intimidade tão profunda e antiga, que se une com a origem da vida.” (WERÁ
s/d).
Na tradição Tupy, o ser humano é oriundo da
mãe terra; explica que os quatro seres alados da natureza: Karai, Yacy,
Tupancy, Jakairá, que são como deuses, teceram o primeiro ser humano e o
espírito da terra, pois os seres alados são originários do espírito da Mãe Terra.
Na ancestralidade Inca a cura acontecia quando se pedia ao corpo enfermo que se
harmonizasse com a Pachamama, ou seja, com a mãe terra. Era nela que se
encontrava a cura. Para Werá (s/d) a Mãe Terra é venerada nas culturas de
matriz ancestral, pois ela traz a luz à forma através do espírito do fogo, o
espírito da água, o espírito da terra e o espírito do ar que são regidos pelo
coração da terra. “[...] a Terra é a manifestação física do divino, a
manifestação física de Deus, e é a face feminina de Deus. [...], Deus se
realiza através dela.” (WERÁ s/d).
Unir-se à natureza de maneira celebrativa e ou ritualística, invocando
ancestrais divinos promove a harmonização, quer dizer, a cura do ser humano em todas as suas dimensões
física, mental, emocional e espiritual.
“Os pássaros, [...],
conseguem livrar-se com bastante êxito dos insetos parasitas, cobrindo-se de
poeira.” (LESHAN 1994, p.119) É sabido que esse procedimento atua, obstruindo
os poros respiratórios dos insetos, fazendo com estes abandonem o corpo das
aves. As ferramentas para sarar acionada pelos pássaros também habita no ser
humano. Verificamos que a cura, como um instrumento de sabedoria interna e
inerente ao ser humano foi exilada do modelo newtoniano-cartesiano. Porém, dentro
das concepções da medicina holística o sanar consta na manifestação do “avá”,
que significa, em Tupy, ser humano integrado.
Referências
BIASI,
Francisco di. O homem holístico: a
unidade mente-natureza. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.
BOFF,
Leonardo. O despertar da águia: o
dia-bólico e o sim-bólico na construção da realidade. 20. ed. Petrópolis,
RJ: Vozes, 1998.
DETHLEFSEN
Thorwald; DAHLKE Rudiger. A doença como
caminho: uma nova visão da cura como ponto de mutação em que um mal se deixa
transformar em bem. Tradução Zilda Hutchinson Schild. 14. ed. São Paulo: Cultrix,
2007.
KIPERNSAIN Paloma. Agosto: Mes de la Pachamama Disponível em: < http://blogs.educared.org/pescandoideas/2007/08/18/agosto-mes-de-la-pachamama/
> Acesso em: 29 de ago. de 2011.
LESHAN,
Lawrence. Meditação e conquista da saúde.
São Paulo, Editora Pensamento, 1994.
RAUNÍCEAU,
Jocelyne. Nuestros
ancestros y las diferentes inteligencias del cuerpo humano. Disponível
em: < http://www.slideshare.net/carlitos
rangel/presentations > < http://hooponopoenvenezuela.wordspress.
> Acesso em: 31 de ago. de 2011.
TAVARES,
Clotilde. Iniciação a visão holística.
5. ed. Rio de Janeiro: Nova Era, 2000.
WASHINGTON,
Araújo. Estamos desparecendo da terra. A
visão Bahá í sobre o destino glorioso dos povos indígenas da América –
1492/1992. 1 ed. Campinas, SP Editora Bahá í do Brasil, 1991.
WERÁ,
Kaká. A árvore da ancestralidade. Ecomedicina Tupy. s/d.
Trabalho Transdisciplinar Marcia Eliane
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